Um gênio “felomenal” sai de cena

José Wilker
* Juazeiro do Norte (CE), 20 de agosto de 1944
Rio de Janeiro (RJ), 5 de abril de 2014
Além de exercer o dom interpretativo, artista era diretor, produtor e cinéfilo
(Foto: Divulgação/TV Globo)

A classe artística e cultural brasileira, em especial a dramaturgia, perdeu, de forma inesperada, um de seus absolutos e eminentes representantes. Embora seja ator, ofício que exercitava com todas as suas competências e habilidades suficientes, com prioridade para a maestria, até o esgotamento de sua força vital, ele também dirigia, produzia e, sobretudo, era um cinéfilo convicto.

Estou me referindo a um homem superinteligente, sagaz, polivalente e perspicaz, daí suas brilhantes ideias acerca das múltiplas vertentes da arte. Com certeza, é José Wilker, que partiu súbita e precocemente aos vigorosos 69 anos de idade, vítima de um infarto espontâneo, deixando-nos um legado constituído por uma miríade de telenovelas, minisséries, filmes e peças teatrais.

Cidadão germinado nos distantes confins dos sertões nordestinos, mais exatamente na cidade cearense de Juazeiro do Norte, consagrada como a terra do mito Padre Cícero, Wilker teve, logo na sua juventude, a ousadia de adentrar a esfera dramatúrgica quando ainda era estudante. Morava no Recife, e sua ambição era tentar algum prestígio em escala nacional. Obviamente, utilizando-se da persistência, ele conseguiu ser expoente na área interpretativa.

Foi por esse motivo que se transferiu para o Rio de Janeiro quase em concomitância com o golpe militar de 1964, que minou, por 21 anos, nossa democracia e nossa liberdade. Politizado e militante progressista, Wilker era contrário àquele obscuro movimento, autointitulado pelos próprios reacionários de “Revolução”. Ao mudar-se para a Cidade Maravilhosa, cursou Sociologia, porém desistiu dos estudos para se focalizar nas artes cênicas.

Ele se tornou bastante conhecido do público não somente através das novelas e minisséries produzidas pela Globo, mas também das películas e montagens em que dirigiu e/ou atuou, todas refinadas com raciocínio luminoso. Era, absolutamente, um artista versátil, cuja virtuosidade gerou, por intermédio de dezenas de trabalhos, uma infinita legião de obcecados.

Assim como seus apreciadores, José Wilker possuía profunda obsessão por cinema, daí sua notória performance como crítico da sétima arte e apresentador de várias edições do Oscar na emissora em que se dedicou quase a totalidade de sua vida televisiva. A paixão do ator e diretor pelas salas de projeção era de dimensão incalculável, fazendo com que tivesse, em sua residência, uma megavideoteca.

Não podemos rememorar sua trajetória sem mencionar papéis emblemáticos, como Mundinho Falcão, de Gabriela (1975), seu primeiro protagonista, Roque Santeiro, personagem que deu título à trama de 1985, um dos gigantescos êxitos de audiência da nossa teledramaturgia, e o bicheiro Giovanni Improtta, de Senhora do destino (2004), cujo bordão “felomenal” se transformou em febre nacional.

Incontestavelmente, Wilker era detentor e proprietário de um gênio fenomenal. Sua morte, mesmo repentina, provocou enorme repercussão nas artes cênicas, já que ele colaborou, durante mais de cinco decênios ininterruptos, para o progresso e o aperfeiçoamento dessa categoria artística no país. No que tange à sua obra, ela permanece tanto no consciente quanto no inconsciente de quem admirava aquele que foi muito mais do que um astro.

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