Tatuagem em Salvador: um breve panorama da arte corporal na capital baiana

Hugo Gonçalves e Luiz Oliveira Filho

Artigo escrito em 21 de dezembro de 2012 para o blog Minha Tattoo Bahia
 
Desenho de uma borboleta tatuada na nuca
(Foto: Divulgação)
 
A história da tatuagem na cidade de Salvador muitas vezes se confunde com a própria vinda dessa manifestação artística para o país, que no final da década de 1950 aportou em terras brasileiras na cidade de Santos, no litoral de São Paulo, pelas mãos do artista dinamarquês Knut Harald Likke Gregersen, conhecido popularmente como Lucky Tattoo.
 
Quase dez anos mais tarde, outros artistas estrangeiros também contribuíram para a difusão da tatuagem em Salvador, quando a trouxeram para uma sociedade baiana ainda em formação de conceitos, paradigmas e estereótipos a respeito da arte de pintar a pele. O famoso tatuador soteropolitano Luís Carlos Carvalho, o Bingha, teve sua primeira tatuagem elaborada por um coreano em meados da década de 1970, que foi uma flor em forma de tebori, uma forma japonesa de tatuar artesanalmente.
 
Alguns anos antes de Bingha ganhar sua primeira tatuagem, os brasileiros presenciavam uma instabilidade política na gestão do então presidente João Goulart (1918-1976), em 1964, quando os militares deram um golpe de Estado que pôs fim ao governo civil no Brasil. Nesse contexto lamentável, o novo regime impôs ao país uma violenta censura contra veículos de comunicação, intelectuais e artistas – músicos, atores, dramaturgos, escritores, cineastas e artistas plásticos –, implicando uma série de cortes em vários segmentos da arte e da cultura popular brasileira.
 
A tatuagem, que pouco tempo havia desembarcado de países do exterior, foi igualmente sufocada pela forte opressão e pela ignorância outorgadas pelo regime ditatorial, que perdurou por 21 anos. A canção Tatuagem, de autoria de Chico Buarque de Holanda e Ruy Guerra, composta em 1973 para o espetáculo teatral Calabar, o elogio da traição, escrito pelos próprios autores, foi censurada e, apenas sete anos mais tarde, em 1980, foi liberada.
 
Mesmo com a forte opressão, a tatuagem, embora fosse contraditória, não parou de avançar em solo soteropolitano. Se por um lado era possível observar um claro preconceito por parte da sociedade baiana, que julgava como marginais aquelas pessoas que se submetiam à pintura na pele, uma forte corrente de união crescia entre os amantes da arte de se tatuar. De amadores, os praticantes da tatuagem passaram a desenvolver suas técnicas com o auxílio de experientes artistas que chegavam à cidade ensinando novas habilidades, abordagens e procedimentos de higiene.
 
Os primeiros estúdios de tatuagem em Salvador surgiram no final da década de 1970. Um deles foi o Studio Tatuagem do Sol, que estava localizado no bairro da Barra e contava com o talento de três artistas que mais tarde viriam a ser considerados expoentes da arte na Bahia: Jorge Magha, Bingha e Toni. Segundo Bingha, que foi um dos sócios, o estúdio alcançou sucesso, chegando a recepcionar celebridades como o cantor e compositor Caetano Veloso, mas em 1985 a sociedade foi desfeita pelos parceiros.
 
Uma parcela dos artistas baianos, sobretudo músicos de rock e de axé, aderiu à moda das tatuagens, como o cantor Saulo Fernandes, ex-vocalista da banda Eva. Entre os desenhos que Saulo possui em seu corpo, a mais expressiva é uma imagem de seu filho mais velho, João Lucas, marcada em seu braço esquerdo, simbolizando o afeto que o cantor tem por ele.
 
Mesmo com o crescente número de pessoas que buscam se tatuar todos os anos, ainda existem discriminações e preconceitos por toda a cidade. Embora seja nítida a atual percepção social a respeito da tatuagem, quando se trata da busca por emprego, a maioria dos entrevistados garante esconder suas tatuagens pelo fato de as empresas manterem uma filosofia e um padrão estético conservadores.
 
Já que na capital baiana o preconceito racial apresenta acentuada visibilidade, muitos tatuadores e tatuados de matriz afrodescendente são passíveis disso. Os tatuadores dizem que em cada época existem estilos e técnicas de tatuagem que se sobressaem e se tornam mais populares e relevantes em termos financeiros. Pessoas muitas vezes tendem a seguir um fluxo de pensamento coletivo que as faz escolher determinados elementos para sua tatuagem.
 
Ao longo do tempo, os tatuadores de Salvador estão se aperfeiçoando no mercado. Novas técnicas estão sendo apresentadas ao público soteropolitano, como as tatuagens maoris. Originárias da Polinésia, elas são tribais e foram bastante aceitas em âmbito local. Atualmente, a novidade é a tatuagem old school – em português, velha escola –, que consiste na prática da tatuagem bem colorida, com cores bem vibrantes e profundas.
 
Mas, infelizmente, os tatuadores que atuam em Salvador são forçados a se deslocar de sua própria cidade – e até do Brasil – em busca de novas técnicas, metodologias e inovações no setor. Regularmente, eles comparecem a convenções internacionais, nas quais tatuadores de diferentes países se congregam, fazendo com que os profissionais realizem intercâmbios entre várias culturas e divulguem novidades do ramo da tatuagem.

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