Por trás da vida de um presidente deposto

Apogeu e declínio da trajetória política de Fernando Collor de Mello são minuciosamente narrados pelo jornalista Mário Sérgio Conti em Notícias do Planalto, sob a ótica da imprensa

O fenômeno do jornalismo investigativo no Brasil, incomodado pela censura e pela repressão durante as duas décadas em que os militares conduziram os rumos políticos da nação, consolidou-se a partir da redemocratização, em 1985. Graças à expansão dessa atividade no país, muitos jornalistas puderam vasculhar e examinar informações e fontes, em grande parte confidenciais, escapando do noticiário oficial e cultivando as melhores notícias.

Métodos e estratégias de investigação passaram a ser amplamente disseminados nas redações dos mais importantes órgãos de comunicação durante os breves dois anos do governo do então presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), bombardeados por denúncias de corrupção envolvendo ele, alguns de seus ministros, a então primeira-dama Rosane Malta Collor e ex-integrantes da campanha que o elegeu em 1989, como o tesoureiro Paulo César Farias (1945-1996), o PC. Responsáveis por forçar a renúncia de Collor ao Palácio do Planalto, os casos foram investigados e veiculados pela imprensa, que contribuiu maciçamente para destituí-lo do poder.

Segundo o jornalista e professor Leandro Fortes (2005), na introdução de seu livro Jornalismo investigativo, o impeachment de um jovem político de trajetória meteórica, herdeiro de uma tradicional oligarquia proveniente do estado de Alagoas, os Mello, que ascendeu à Presidência, “é o marco zero do jornalismo investigativo no Brasil”. A partir desse período, ainda nos dizeres de Fortes, jornalistas e empresários do ramo de comunicação adaptaram-se a uma nova e poderosa circunstância.

Uma geração de jornalistas, majoritariamente com menos de 30 anos de idade e pouco tempo de profissão, adquiriu consistência definitiva ao conceito do jornalismo investigativo brasileiro na chamada Era Collor, sem classificá-lo como um tipo de especialização na esfera profissional. O período em questão, conforme Fortes, reproduziu no jornalismo nacional fenômeno idêntico ao escândalo Watergate, ocorrido em Washington, que levou Richard Nixon a deixar a presidência dos Estados Unidos, em 1974.

Com 719 páginas, fruto de intensa pesquisa, o livro Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor, do jornalista Mário Sérgio Conti, lançado em 1999, é uma volumosa obra que investiga minuciosamente a ascensão e a decadência da carreira política do ex-presidente da República, hoje senador pelo PTB alagoano, sob o panorama midiático, além de esclarecer as vinculações de Collor com repórteres, editores, diretores de redação, fotógrafos e magnatas dos principais órgãos de comunicação do Brasil, atuantes com base no eixo Rio de Janeiro–São Paulo.

Para escrever a obra e materializá-la, Conti, ex-diretor de redação da revista Veja, da Editora Abril, entre 1991 e 1997, consultou dezenas de livros, inumeráveis edições de jornais e revistas da época e realizou, tanto presencialmente quanto por telefone, 141 entrevistas exaustivas. Todas elas foram anotadas e, em seguida, transcritas pelo próprio autor em seu computador. O autor ainda utilizou, com o objetivo de complementar sua investigação jornalística, blocos de anotações, rascunhos de reportagens, recortes de jornais e revistas, livros, diários, cartas e fitas de áudio e vídeo, materiais cedidos pelos entrevistados.

Grande parcela dos diálogos foi feita no período compreendido entre maio de 1998 e setembro de 1999. Antes de entrevistar a maioria das fontes de Notícias do Planalto, o jornalista entrevistara Pedro Collor (1952-1994), irmão mais novo do ex-presidente, e Paulo César Farias, a fim de obter as primeiras informações que seriam agregadas ao livro. Na acepção de Conti, ele os entrevistou “quando este livro era uma vaga ideia”, ou seja, a obra ainda estava em gestação.

O papel do jornalista em Notícias do Planalto é analisar e pesquisar volumosas informações concernentes à história dos órgãos midiáticos nela envolvidos – os jornais Gazeta de Alagoas, Jornal do Brasil, O Globo, Folha de S. Paulo, Tribuna de Alagoas, O Estado de S. Paulo, as revistas Veja e Playboy, e as redes de televisão Globo, Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e Bandeirantes –, além de examinar profundamente os bastidores da cobertura jornalística da carreira político-administrativa de Collor pelos veículos mencionados, da sua eleição como governador de Alagoas, em novembro de 1986, até o seu afastamento definitivo da Presidência, em dezembro de 1992.

Conti, logo após assumir a direção de redação de Veja, em 1991, testemunhou a cobertura, pela publicação, dos fatos decisivos para a destituição de Collor do Palácio do Planalto. Dentre eles merecem ênfase a situação financeira do empresário e ex-financiador de sua campanha presidencial, Paulo César Farias, e a entrevista exclusiva de Pedro Collor, confessando ao semanário que PC era “testa-de-ferro de Fernando”, ambas veiculadas em maio de 1992. O então diretor de Veja, autor da obra analisada, acompanhou, na redação, o fechamento de ambas as matérias.

Em seu epílogo, o livro cita alguns episódios subsequentes ao impeachment de Fernando Collor, com destaque para a prisão de PC Farias, entre 1993 e 1995; a morte de Pedro Collor, em 1994, vítima de câncer; e os últimos dias da vida do ex-tesoureiro, até atingir o ápice: o seu brutal assassinato junto a sua namorada, Suzana Marcolino, numa trágica véspera de São João de 1996. Mário Sérgio Conti escreveu, no livro, que a investigação da morte de PC, ao ser noticiada pela imprensa, era considerada “um circo”, em virtude de possuir caráter sensacionalista.

Referências

CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

FORTES, Leandro. Jornalismo investigativo. São Paulo: Contexto, 2005.

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