Como domar obstáculos através de uma perspectiva nova

Artigo elaborado com base no texto A mudança de perspectiva, originado de diálogos entre o Dalai-Lama e o professor Howard C. Cutner

Orientador: Celso Duran, docente da disciplina Assessoria de Comunicação do Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge) e jornalista da TV Bandeirantes Bahia

Uma epígrafe contendo uma pequena lição de sabedoria abre o texto, contando a história de um discípulo que recebeu ordens de um filósofo grego para dar dinheiro a todos que o ofendessem. Depois, o mestre disse a seu discípulo a fim de aprender a Sabedoria através da ida a Atenas. Essa história introdutória foi dita por um grupo de oradores, denominado Padres do Deserto, que pregava uma vida de sacrifício e oração, para mostrar o valor do sofrimento.

Lidando com uma situação complicada, o discípulo teve a capacidade de mudar de perspectiva, ou seja, de enfrentar os obstáculos a partir de um outro enfoque. Essa habilidade é aplicada com eficácia para atingir esse objetivo. Conforme os ensinamentos do Dalai-Lama, a capacidade de domar diferentes dificuldades pode nos trazer utilidade, fazendo com que possamos ser tranquilos ao usar exemplos de experiências positivas e negativas.

Dentre os aspectos negativos, o Dalai-Lama mencionou a destruição de sua pátria natal, o Tibete, considerando-a como tragédia. Apesar de o líder espiritual ser um refugiado, a perda do seu país foi, para ele, uma experiência muito profícua, e sua vida no exílio cria várias oportunidades sociáveis. Quando os problemas aparecem, ficamos preocupados com eles, tendo a sensação de que somos os únicos a passar pelos mesmos. Observar os acontecimentos de uma perspectiva mais ampla pode ajudar nos nossos momentos difíceis e até mesmo dolorosos.

O narrador, junto com o administrador de uma instituição na qual ele trabalhava, presenciou uma série de confrontos gerados pela interferência do executivo no atendimento aos pacientes ao priorizar assuntos financeiros. Após as discussões entre o narrador e seu ex-patrão, ele teve a raiva e o ódio sendo acumulados no seu emocional. Por conta disso, ele compareceu a uma sessão com o Dalai-Lama, já sereno e, porém, um pouco nervoso.

Sentir raiva é uma reação natural, espontânea e imediata. Em muitos casos, a raiva não é sentida apenas quando somos feridos, pois ela pode ser pensada logo depois. Ao encarar com ela por um ângulo diferenciado, a pessoa que a despertou em outra terá características subjetivas positivas, propiciando certas oportunidades. Logo, é possível perceber muitos enfoques diferentes num mesmo fenômeno, ajudando-nos com esforço em momentos de tristeza e agonia.

Temos que dedicar algum tempo na busca por um ângulo diferente a fim de nos encararmos com os problemas de modo direto, valendo-se do nosso potencial de raciocínio e da maior objetividade possível. Se um amigo maravilhoso cometer algum mal, ele não é de fato composto exclusivamente por qualidades positivas. Da mesma maneira, um inimigo, ao nos perdoar com sinceridade, não é qualificado como totalmente mau, portanto deve ter algumas qualidades benéficas. A tendência a considerar que um indivíduo é totalmente positivo ou negativo origina-se na nossa própria percepção mental.

Uma situação que inicialmente pareça negativa em sua plenitude pode possuir alguns atributos positivos, mas isso não é suficiente. É necessário aperfeiçoarmos essa ideia e, provavelmente, nos recordarmos dela frequentemente, até a modificação paulatina da nossa impressão. Quando vivenciamos uma situação difícil, devemos aprender novos pontos de vista para nos lidarmos com ela. O Dalai-Lama afirmou que, se não descobrirmos nenhuma perspectiva positiva, a melhor atitude possível a ser tomada é a tentativa de esquecer a situação.

Segundo testemunho do narrador, ao aplicar a doutrina do Dalai-Lama, ele descobriu alguns enfoques positivos no administrador da empresa. O narrador soube que o executivo possuía atributos satisfatórios, como o fato de ele ser um pai amoroso. Essas qualidades viabilizam simplesmente a redução dos sentimentos de ódio.

Para transformar nossa atitude acerca dos nossos adversários, o Dalai-Lama concebeu um método que envolve uma análise sistemática e racional da nossa reação a eles. Conflitos entre duas pessoas podem ser hereditários, passando de uma geração para outra, tendo como resultado o sofrimento dos dois lados. Todo o objetivo da vida, portanto, é prejudicado desde a infância. Algumas pessoas admitem que o ódio, ao ser praticado com intensidade, é salutar aos interesses nacionais, entretanto ele é muito negativo e demonstra falta de visão. O oposto do ódio – o amor – ajuda a nos pacificarmos e nos compreendermos.

O Dalai-Lama propôs uma forma alternativa de domar o inimigo, podendo ter um impacto radical na nossa jornada vital. Nossas atitudes diante dos nossos inimigos são evidentes no budismo, pois o ódio pode impedir a compaixão, a felicidade, a paciência e a tolerância. Para os praticantes da espiritualidade, a compaixão para com os nossos rivais é essencial. O exercício da paciência e da tolerância é crucial para o sucesso no amor e na compaixão. Não devemos nutrir o ódio pelo inimigo, mas sim usar os antagonismos a fim de melhorarmos nossa paciência e tolerância.

De fato, o inimigo é necessário para alcançarmos a paciência e a tolerância. Sem ele, não as existiria. A partir dessa perspectiva, o inimigo é considerado um grande mestre, sendo reverenciado para exercer a paciência. Há muitas pessoas no mundo, e dentre elas há um contingente mínimo daquelas com quem interagimos e daquelas que nos causam problemas. Quando praticamos a paciência e a tolerância, devemos tratar essa maravilhosa oportunidade com gratidão e felicidade. Se atingirmos êxito na prática da paciência e da tolerância, combinaríamos nossos esforços com a ocasião fornecida pelo nosso rival.

Em relação aos inimigos, o correto é rejeitá-los, não sendo dignos de respeito. O estado mental direcionado ao ódio está presente no inimigo; se nos ferirmos, nós odiaríamos os médicos, considerando-os inimigos por adotar métodos que podem ser dolorosos, como a cirurgia. No entanto, eles não são prejudiciais ou típicos de um inimigo, porque sua intenção, sob a ótica de um médico, é a cura de um paciente. Com esse propósito, o inimigo se torna inigualável, concedendo-nos a chance de praticar a paciência.

É claramente aceitável a sugestão do Dalai-Lama sobre a reverência dos nossos inimigos por suas oportunidades de crescimento. As alegações do líder espiritual acerca da “raridade” e do “alto valor” do Inimigo, talvez, podem ser ilusórias. Por meio da resolução de conflitos com o Inimigo, processo que envolve aprendizado, estudo e modos alternativos, a luta resulta em verdadeiro crescimento, êxito e percepção em nível psicológico. Do nascimento até a morte, há inumeráveis probabilidades de encontrar um inimigo ou qualquer outro empecilho. Nossos inimigos nos fornecem a resistência necessária para o nosso desenvolvimento.

Segundo o narrador do texto, a metodologia para pensar nossos problemas e aprender a visualizá-los através de perspectivas alternativas é um objetivo interessante, podendo transformar nossa atitude. O narrador reproduz, parcialmente, uma oração de um santo tibetano, escrita no século XI, e recitada diariamente pelo Dalai-Lama. Ela reflete a possibilidade de encarar inimigos com a retribuição de virtudes.

A oração que o Dalai-Lama recita, reproduzida no texto, foi criada por um monge que vivia num mosteiro, um ambiente onde várias coisas inconvenientes podem acontecer. No mundo atual, o mal que recebemos de seres alheios pode incluir o estupro, a tortura, o assassinato, entre outros maus tratos. O Dalai-Lama passou a examinar circunstâncias que podem ser necessárias para a mudança de atitude, a fim de conter agressividades alheias.

Durante a conversa que o narrador obteve com o Dalai-Lama, dois pontos se sobressaíram. Ele ficou impressionado com a facilidade do líder espiritual para reexaminar seus preceitos. O narrador também ficou abatido com a sua arrogância, fator que, para ele, é menos inspirador pelo fato de ter sugerido ao Dalai-Lama que a oração não se adequa à complicada realidade do mundo moderno. Ao ouvir os relatos do religioso tibetano como exemplo, o autor do texto contemplou a sensação de tristeza no rosto do entrevistado.

Esses testemunhos que o Dalai-Lama contou ao autor, além de mostrar a violência física, espelham a tentativa de minar o ideário tibetano, como as proibições cometidas contra esse povo pelos chineses. Utilizando-se de práticas espirituais, o Dalai-Lama deu continuidade ao audaz engajamento pela liberdade e pelos direitos humanos no Tibete. Também manteve uma postura de humildade e compaixão para com os chineses, inspirando milhões de pessoas em todas as partes do mundo.

Quando da aplicação do método do Dalai-Lama de domar “o inimigo”, o autor do texto assistiu a algumas palestras ministradas pelo líder espiritual tibetano na costa leste dos Estados Unidos. Após isso, ele pegou um voo antes de voltar para sua casa. No avião, o autor antipatizou com uma mulher de meia-idade, ficando sentado ao lado dela durante cinco horas inteiras. Segundo ele, a perspectiva de permanecer o tempo todo junto da mulher parecia incômoda e insuportável.

Para praticar a paciência e a tolerância dentro da aeronave em que o narrador estava, ele observou seu inimigo na sua poltrona de corredor. Ao conhecer a bordo aquela mulher, ela não fizera nada para lhe ameaçar, mas depois de vinte minutos ela o perturbava continuamente. O narrador a odiava tanto emocionalmente, porém não sentia repugnância às partes do seu corpo. A focalização minuciosa no corpo da mulher viabilizou uma sutil mudança de perspectiva no narrador, de modo que ele a visse como outro ser humano. A raiva de que ele padecia estava dissipada pouco antes do fim do voo. Como o narrador, aquela mulher era um ser humano, usufruindo de sua vida linear da forma mais conveniente possível.

A flexibilidade mental enseja a capacidade de mudar de perspectiva, e consiste na plenitude da nossa vida. O Dalai-Lama, após proferir uma longa palestra, ficou deslumbrado com a paisagem fantástica ao retornar para o hotel onde estava alojado. Finalmente à contemplação do panorama, ele comentou acerca da beleza da região. Percebeu a extraordinária habilidade de sua mente ao diagnosticar uma pequena planta e, sobretudo, a visão geral da paisagem.

O fenômeno da flexibilidade pode acontecer em cada um de nós, e resulta dos nossos esforços para incrementar nossa perspectiva e experimentar novos enfoques. Sua consequência é a consciência sincrônica entre o coletivo e o individual, na qual podemos separar as coisas importantes das não importantes na nossa vida. Conta no texto que o narrador foi instigado pelo Dalai-Lama para se livrar da sua perspectiva limitada, tratando-se dos problemas psicológicos individuais. De acordo com o narrador, a mudança de perspectiva é um objetivo basicamente solitário e individual.

Se adotarmos uma perspectiva mais ampla, haveremos cooperação interpessoal, como em crises globais. Nesse aspecto, não se trata de uma questão individual, e sim intersubjetiva. Em suas palestras, o Dalai-Lama esclareceu a importância dos processos de transformação pessoal a partir do interior, como a realização da compaixão, da paciência e da tolerância, a fim de superar sensivelmente as negatividades. O líder espiritual ainda disse que um ser flexível exige o dom de lidar com problemas em patamares individual, comunitário e global.

Cultivar a paciência e a tolerância contribui para reduzir a raiva e o ódio, procedimento idêntico a um desarmamento interno, que necessita de um externo. A autêntica paz mundial não equivale à ausência de guerras que, por sua vez, pode resultar de armamentos. Portanto, a paz deve surgir de forma mútua, tendo as armas como obstáculo à sua germinação, e deve ser feita gradativamente. Temos que cooperar para desenvolver as pazes interior e exterior e desmilitarizar o mundo através do desarmamento.

Ter uma mente flexível está relacionado com a aptidão para mudar de perspectiva, ajudando-nos a lidar, a partir de diversos ângulos, com nossos obstáculos. Em contrapartida, o esforço de examiná-los objetivamente é considerado um exercício de flexibilidade mental. Atualmente, essa prática pode ser um fator para nossa sobrevivência. Espécies mais flexíveis sobreviveram e prosperaram por sua adaptação ao meio ambiente. Uma mente maleável pode nos ajudar na harmonização de conflitos externos e internos.

Se o ser humano não cultivasse a flexibilidade da mente, nosso enfoque se tornaria frágil, e o medo passaria a dominar as relações com o mundo. Com a adoção de uma perspectiva flexível e maleável na nossa vida, nossa serenidade se perpetuará por todas as circunstâncias. Recuperar e reabilitar nosso espírito só são possíveis com o alcance de uma mente flexível.

No momento em que o narrador conheceu melhor os ensinamentos do Dalai-Lama, ele se entusiasmou com a extensão da flexibilidade do religioso tibetano. Pessoas diferentes, apesar de possuírem ideias contraditórias, concordam entre si. Por isso, elas eventualmente são criticadas e, no entanto, estão comprometidas com uma conduta previamente estabelecida. O Dalai-Lama, por exemplo, prega uma crença inspirada na compaixão, na benevolência e no altruísmo para com todos os seres humanos.

Ao sermos flexíveis, maleáveis e adaptáveis, não temos que ser oportunistas devido à mudança de crenças, de ideias e de identidade. Nosso crescimento e desenvolvimento, em nível superior, estão subordinados a um sistema valorativo que garante nossa continuidade e coerência. Esse mesmo conjunto de valores ajuda-nos a deliberar os objetivos dignos e indignos dos nossos esforços.

Podemos preservar o conjunto de valores para permanecermos flexíveis. Deduz-se que o Dalai-Lama tivesse aplicado essa metodologia para minimizar suas crenças a partir do fato de ser um ser humano e da procura pela felicidade. Temos que dedicar na reflexão sobre o nosso sistema de valores, reduzindo-o a elementos primordiais. Com esses fatores, possibilitamos maior liberdade e flexibilidade a fim de lidar com a nossa situação cotidiana.

Além de contribuir a lidar com problemas diários, a concretização de uma abordagem flexível é fundamental para o equilíbrio. Conforme o Dalai-Lama, uma perspectiva hábil e equilibrada é um fator essencial em todos os nossos momentos, com a intenção de evitar exageros. Por exemplo, a delicadeza em plantar uma muda e a destruição da mesma por falta ou excesso de umidade ou de sol. É necessário, logo, haver equilíbrio.

Essa perspectiva também é aplicável aos melhoramentos mentais e emocionais. Quando formos arrogantes, o antídoto seria o profundo pensamento nos nossos sentimentos insatisfatórios, contribuindo a diminuir o nível de exaltação do nosso estado de espírito. Ao cultivarmos a decepção, o sofrimento, o tédio, dentre outras sensações pessimistas, poderíamos perder completamente nosso ânimo e nosso poder defensivo. Devemos, portanto, elevar nosso potencial reflexivo acerca das nossas virtudes para termos uma perspectiva equilibrada de vida.

O culto ao equilíbrio se aplica ainda ao nosso desenvolvimento espiritual, como no budismo, cujos seguidores devem ser habilíssimos na exercitação. Nesses aspectos, é importante ter um enfoque coordenado para que não ocorra nenhum desequilíbrio. Evitar os extremos é importante, embora tenhamos ciência da compreensão da suas raízes. Na busca de bens materiais, por exemplo, a pobreza e o excesso de luxo são considerados extremos. O importante é alcançarmos prosperidade. Caso contrário, os excessos indicam insatisfação, que por sua vez provém da nossa condição mental.

Nossa tendência a chegar a extremos é causada, às vezes, por vários fatores, a começar pela própria insatisfação. Dois exemplos melhor ilustram isso. A prática intensiva e irresponsável da pesca pode pôr fim à vida aquática, e a atividade sexual excessiva pode ser prejudicial.

Segundo o relato do Dalai-Lama, a ideia de que todo o universo deveria adotar o budismo, partindo do Tibete, que foi uma nação budista por séculos, é completamente radical. Esse exemplo de atitude extrema nos é problemática, pois a existência de um mundo totalmente budista não seria viável. Ao deixar o Tibete, o Dalai-Lama se aproximou da realidade ao entrar em contato com outras crenças diferentes, possibilitando a percepção de seus pontos positivos. O convívio com as diferenças, na acepção do líder espiritual, propicia uma sensação vantajosa. Ele acredita que todos os radicalismos ou excessos podem ser superados ao ampliarmos as nossas perspectivas.

Referência bibliográfica

DALAI-LAMA, Sua Santidade, o; CUTNER, Howard C. A mudança de perspectiva. In: Idem. A arte da felicidade: um manual para a vida. Tradução de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 194-224.

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