Turista por um dia

Das envidraçadas janelas de um meio de mobilidade urbana coletiva popular, admiro a acalmante sensação de usufruir a brisa oriunda das águas das praias de Ondina e da Barra. Uma aprazível, frutuosa e delicada tarde de sexta-feira, embora a Avenida Oceânica, que as margeia, esteja moderadamente congestionada, com assídua concentração de carros, ônibus, motocicletas e turistas. Hotéis, pousadas, restaurantes, centros comerciais e similares contornam, com esplendor e fineza, a célebre avenida à beira-mar, onde possibilitamos a visão pacífica do mar azul e os morros fronteiriços entre o Rio Vermelho e Ondina (Paciência e Pedra da Sereia) e entre Ondina e Barra (Morro do Cristo).

Meus passeios casuais, não tão semanais, a alguns dos mais frequentados fragmentos da orla marítima da minha cidade natal e que eu tenho gosto de revivê-los remetem-me à minha saudosa infância, quando eu tinha 6 anos. Revisitar a exuberância de Ondina e da Barra é um alívio libertário, pois suas vistas, complementadas por edifícios horizontais e verticais (parece muito a orla carioca) e casas, de caráter residencial, comercial e receptivo, têm um quê de sutileza em meu ego. Até posto de combustíveis está instalado junto às balaustradas protetoras, incomodando a passagem de pedestres.

O Farol da Barra é o ponto de interseção entre as duas águas de igual sabor – a do Oceano Atlântico e a da pacata Baía de Todos-os-Santos – que banham o litoral de Salvador em direções simétricas. Após eu deslumbrar o famigerado farol, onde o Museu Náutico da Bahia é alojado no térreo e no pavimento superior do Forte de Santo Antônio da Barra, começa um dos maiores logradouros da cidade, a Avenida Sete de Setembro, singelamente batizada Avenida Sete. São nos seus trechos iniciais onde encontram-se o Porto da Barra, a Ladeira da Barra e o ostentador Corredor da Vitória. Esses dois últimos são redutos da alta burguesia baiana.

Um dos encantados lugares litorâneos de uma Soterópolis ao mesmo tempo turística e desigual, a Praia do Porto, matutina, vespertina e até noturnamente, converte-se num conglomerado de banhistas, baianos e não-baianos. Ainda passeando no ônibus, no Porto da Barra, vi dois marcos históricos no finalzinho da praia. Tratam-se da cruz-de-malta, emblema português, fixada num suporte vertical, simbolizando a chegada do colonizador àquele trecho da maior baía brasileira; e um primor de azulejaria: painel retratando a vinda do governador-geral Tomé de Souza para cá, datado de 1949, ano do 4º Centenário da cidade. Sentindo cada monumento da minha amada cidade, eu sou perspicaz.

Conservo a minha paciência e o meu silêncio sendo acomodado numa cadeira de ônibus e apreciando a sequencial mudança em cada paisagem embutida no fragmento simultâneo entre a Baía de Todos-os-Santos e o movimentado e confuso Centro. Depois do Largo do Porto da Barra, onde uma unidade de artesanato do Instituto Mauá está situada, desfruto o encantamento da Ladeira da Barra, onde residências luxuriosas, somadas ao tradicional Yacht Clube da Bahia, dão-lhe aparência de tranquilidade. O mesmo verifico no trecho seguinte, o arborizado Corredor da Vitória. Ao iniciar o itinerário pelo imponente corredor, decidi sair do coletivo a fim de exercitar meu corpo em concordância com as extravagâncias do local.

Ponto de desembarque: Corredor da Vitória, mas comecei meu trajeto como pedestre no largo homônimo, endereço da igreja homônima, sede da paróquia homônima presidida pelo venerável monsenhor Gaspar Sadoc. Deliberei, nesta sexta-feira, locomover-me integralmente pelo corredor, com vivacidade e sem auxílio de motorista particular (chofer) ou máquina condutora automotora. O auxílio que eu tive e tenho para caminhar é, somente, o de Deus. Quando passeio por lá, fico impressionado pela dimensão do luxo dos palacetes, palácios, mansões, museus, colégios e prédios habitacionais de alturas e fachadas variáveis.

Assemelhando-se a bulevares europeus, o Corredor da Vitória é a zona mais peculiar da popular Avenida Sete. Sua peculiaridade se deve porque é um dos pouquíssimos segmentos arborizados e bem cuidados do logradouro, logrando-lhe especificações observáveis nos principais centros urbanos do mundo desenvolvido. Esse caráter, que atua como chamariz para a minha atenção, permite a anuência com outro ponto constantemente conservado, o Campo Grande. A gigantesca praça, na confluência entre o Corredor da Vitória, o Centro e o Canela, depois da sua revitalização e restituição da feição original de seus monumentos neoclássicos, é uma das mais requintadas de Salvador.

O privilégio de reconhecer e de revisitar partes prodigiosas da minha cidade é, para mim, uma bênção vinda de lá do sétimo céu para assegurar meu salutar itinerário como um mochileiro amador, já que não exercito viagens de grande porte. No caso do percurso em duas etapas – entre Ondina e a Vitória, de ônibus, e entre a Vitória e o Canela, que eu mesmo pratiquei como pedestre –, meus ânimos não estavam exaltados. Faço, sobretudo, o melhor possível para caminhar, sem cansaço e com vitalidade, pelas elegâncias e peculiaridades de uma complexa, heterogênea e hospitaleira cidade.

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