A aplicação da teoria do agendamento nas matérias selecionadas dos jornais "A Tarde" e "Massa!"

Daniella Souza, Helton Carlos, Hugo Gonçalves, Leonardo Gomes, Luiz Antônio e Paulo George
Estudantes de Jornalismo do Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge)
Artigo acadêmico elaborado em novembro de 2010, e orientado pela professora Fernanda Mauricio, docente da disciplina Teorias do Jornalismo

Resumo

Este artigo tem como propósito inicial analisar, em consonância com a teoria do agendamento, seis matérias que foram publicadas em dois periódicos distintos quanto à linguagem e ao público-alvo: o A Tarde e o Massa!, pertinentes ao mesmo grupo editorial. As matérias aqui analisadas, antes de elas serem publicadas nos respectivos jornais, passam por um processo de seleção, a depender da classe social em que eles estão inseridos.

Palavras-chave: Agendamento, Público, Pauta, A Tarde, Massa!

1. Introdução

Uma das teorias mais utilizadas na Comunicação, especificamente no Jornalismo, é a teoria do agendamento, também conhecida pelo termo original inglês agenda-setting. A doutrina foi formulada em 1972 por dois teóricos norte-americanos, Maxwell McCombs e Donald Shaw, segundo a qual a mídia determina a pauta – em inglês, agenda, daí o nome da teoria – direcionada para a opinião pública ao assinalar determinados temas, tornando-os essenciais e rejeitando outros. Conforme essa hipótese, a mídia interfere na vida cotidiana, ou seja, os assuntos veiculados nos meios de comunicação com maior relevância exercem relativa hegemonia sobre o nosso dia a dia.

Os fundamentos da teoria do agendamento podem ser embasados nos pensamentos de Walter Lippmann (1889-1974), notável jornalista estadunidense de grande atuação em pesquisas de opinião em seu país, elaborados no livro Opinião pública, de 1922, exatamente 50 anos antes da concepção da hipótese aqui estudada. A obra é uma das mais prestigiadas no campo dos estudos da cultura de massa e da opinião pública da época, contudo ela ressoa atualmente.
"A notícia que não oferece ao leitor a oportunidade de entrar na luta que ela descreve não pode interessar a um grande público. É preciso que o público participe da notícia, como participa do drama, pela identificação pessoal... Assim como toda a gente sustém a respiração quando a heroína está em perigo (...) assim, de maneira mais sutil, entra o leitor na notícia". (LIPPMANN, 1922 in AGENDAMENTO e jornalismo..., s/d.)
No livro, Lippmann concebeu a tese de que as pessoas não respondiam diretamente aos acontecimentos reais, “mas que viviam em um pseudoambiente composto pelas ‘imagens em nossas cabeças’” [AGENDAMENTO (Verbete)]. Os meios de comunicação desempenhariam um papel no fornecimento e na geração destas imagens e na formatação deste ambiente ilusório.

Alfredo Vizeu salienta que, no final do século XX, o agendamento foi “uma das linhas de pesquisa mais dinâmicas no estudo da mídia e do jornalismo”. Entretanto, o pressuposto essencial da teoria estudada em sua feição contemporânea foi originalmente desenvolvido pelo cientista e historiador estadunidense Bernard Cohen (1914-2003) em 1963. Para Cohen, "na maior parte do tempo, (a imprensa) pode não ter êxito em dizer aos leitores o que pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o que pensar" (apud idem).

Ao estudarem em extensa profusão o modo como os veículos de comunicação cobriam campanhas político-eleitorais, McCombs e Shaw averiguaram que o principal efeito midiático é pautar (ou agendar) os temas vinculados à esfera pública, dizendo às pessoas não "o que pensar", mas "em que pensar". De maneira geral, se refere ao agendamento como uma função da mídia e não como uma mera teoria. (McCOMBS; SHAW, 1972 apud idem)

A teoria explica a articulação entre a amplitude de cobertura de um fato pelos veículos de comunicação e a relevância desse acontecimento para o público em geral, tendo em vista que ela ocorre com frequência. O agendamento ocorre em razão de a imprensa garantir a seletividade no momento da apuração dos fatos. Jornalistas atuam como os gatekeepers (literalmente, porteiros) da informação, selecionando algumas notícias e desprezando outras.
“(...) em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas”. (SHAW, 1979. In: WOLF, 1994 apud AGENDAMENTO...)
O agendamento funciona como um processo constituído por três níveis, a saber:

Agenda midiática – Refere-se às questões discutidas nos meios de comunicação.

Agenda pública – Concerne às questões discutidas para que sejam relevantes ao público.

Agenda política – Está acoplada às questões consideradas importantes pelos gestores públicos federais, estaduais e municipais.

2. Análise comparativa dos jornais A Tarde e Massa!

Para elaborarmos este artigo, usamos, como objetos de estudo e de pesquisa, dois jornais diferentes, editados pela mesma empresa – o A Tarde e o Massa!, publicados no mesmo dia, 17 de novembro de 2010, uma quarta-feira.

2.1. A Tarde

O A Tarde, periódico mais antigo em atividade na Bahia, foi fundado em 12 de outubro de 1912 pelo jornalista e político Ernesto Simões Filho (1886-1957). Propriedade da Empresa Editora A Tarde S.A., o jornal, que circula de segunda-feira a domingo, é impresso, publicado e distribuído em formato standard ou padrão, e direcionado basicamente ao público AB, correspondente às classes alta, média alta e média baixa. Sua edição de número 33.460, de 17 de novembro de 2010, é integrada por cinco cadernos e suas respectivas páginas e editorias, conforme tabela a seguir:

(Fonte: A TARDE, 2010)

Analisamos, a seguir, sob a ótica da teoria do agendamento, três reportagens selecionadas de A Tarde, obedecendo às chamadas de primeira página subsequentes:

1) “Guerra entre o tráfico e a polícia atinge terreiros de candomblé – Violência: Maneira de tratar os casos mostra que ainda há intolerância religiosa por parte da área de segurança pública”

2) “Vai? – Ronaldinho Gaúcho volta a campo hoje pela Seleção, no jogo contra a Argentina. Ele vê a partida como uma nova chance de mostrar que ainda pode vestir a canarinho”

3) “Equipe: Quatro baianos são cotados para o ministério do novo governo”

“Estado e sociedade lutam contra o preconceito”

Assinada por Arivaldo Silva, a reportagem, principal manchete da primeira página da edição de 17 de novembro de 2010 de A Tarde, tem como tema central a discriminação das religiões de matriz africana, com destaque para o candomblé. O texto, publicado em sua página A4 do Caderno 1, na editoria de Salvador e Região Metropolitana, explica que as comunidades que professam essas crenças “são as que mais sofrem com as invasões, depredação e expulsão das pessoas dos espaços sagrados” (SILVA apud A TARDE, 2010, p. A4).

Nela, Silva (2010) fez uma compilação sucinta de seis casos de violência contra o candomblé, uma das matrizes religiosas que, segundo a reportagem, convivem harmonicamente com outras, apenas no imaginário coletivo da Bahia. As diversas ocorrências mencionadas pelo repórter vão desde a expulsão a tiros por criminosos de integrantes do terreiro Ilê Axé Ojunilê Xapaná, na Capelinha de São Caetano, em agosto de 2009, até a agressão da ialorixá Bernadete Souza Ferreira dos Santos por policiais militares, no assentamento Dom Hélder Câmara, em Ilhéus, no último dia 23 de outubro.

O tema da matéria, do ponto de vista do agendamento, é tão importante para a opinião pública, sendo que o conteúdo nela explorado é de interesse público, pois ajuda o leitor a conscientizar no combate à intolerância religiosa na Bahia.

“Confronto estelar no Oriente Médio”

Esta matéria foi publicada no caderno A Tarde Esporte Clube em sua última página, a 6, e trata-se do amistoso de futebol realizado no mesmo dia, no Catar, país do Oriente Médio, entre as seleções do Brasil e da Argentina. No topo do texto, atribuído ao repórter Ricardo Palmeira, um quadro traça as comparações entre os destaques das equipes de seus respectivos países no jogo, Ronaldinho Gaúcho e Lionel Messi. A partida terminou com uma vitória dos argentinos sobre a nossa equipe.

De grande relevância, por ser o principal tema esportivo de 17 de novembro, a reportagem sobre o amistoso que reproduz a maior, mais antiga e mais famosa rivalidade futebolística trata-se de um assunto que dominou a pauta na sua editoria nesse dia. O primeiro parágrafo explicita claramente a aplicação da teoria do agendamento na matéria.
“Seja muito bem vindo de volta, Ronaldinho Gaúcho. Certamente, esse pensamento vai passar pela cabeça da maioria dos torcedores brasileiros quando, às 14 h (horário da Bahia) de hoje, a Seleção entrar no gramado do Khalifa International Stadium, em Doha, no Catar, para enfrentar a Argentina, em mais uma edição daquele que é, provavelmente, o maior clássico do futebol mundial.” (PALMEIRA apud A TARDE, 2010, p. 6.)
“Baianos entre os cotados para a equipe de Dilma”

Quatro nomes provenientes da Bahia, provisoriamente, estão sendo cogitados para a equipe ministerial da presidente eleita da República, Dilma Rousseff. Baseado nesse fato, a repórter Ludmilla Duarte, da sucursal de Brasília, anuncia em sua reportagem publicada na página B4 do Caderno 1, na editoria de Política, “as especulações em torno de nomes cotados dentro dos partidos aliados”, quanto aos baianos, “para ocuparem pastas no novo governo” (p. B4).

Por enquanto, já que Dilma anunciará sua equipe somente em meados de dezembro, os nomes cotados estão os dos atuais ministros Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), e Juca Ferreira, da Cultura. Além deles, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, é um provável postulante na pasta da Integração Nacional, e o deputado federal reeleito Mário Negromonte, do Partido Progressista (PP), estaria sendo apresentado pela legenda para o Ministério das Cidades.

A matéria sobre uma possível indicação de nomes baianos para o ministério do futuro governo é um lúcido exemplo de como a política interfere na vida cotidiana através da mídia. É a chamada agenda política.

2.2. Massa!

Destinado ao público CD, abrangendo as camadas mais baixas da sociedade, o Massa! foi lançado no dia 18 de outubro de 2010. Pertencente à mesma empresa que publica o A Tarde, o jornal, criado para competir com o Correio*, da Rede Bahia, circula de segunda a sábado, custando R$ 0,50 (cinquenta centavos), valor idêntico ao do concorrente. É impresso, publicado e distribuído em formato berliner, intermediário entre o tabloide e o standard.

O conteúdo e a linguagem do novo jornal são essencialmente coloquiais, pois ele apela para o público-alvo supracitado, a começar pela polissemia no nome do periódico. Massa!, nessa acepção, pode significar um aglomerado ou coletivo de indivíduos, ou gíria para ótimo, excelente, formidável. Na capa, manchetes impactantes, causando ao leitor espanto ou surpresa. Ao contrário do A Tarde, o Massa!, outro produto impresso editado pelo grupo, não é segmentado em cadernos. Sua edição de número 27, de 17 de novembro de 2010, possui 24 páginas.

Analisamos, a seguir, com base na teoria do agendamento, três reportagens selecionadas do Massa!, obedecendo às seguintes manchetes citadas na primeira página:

1) “Drama no Roberto Santos – 75 dias de descaso: Seu José, 74 anos, está internado na enfermaria à espera de uma operação na coluna, que não é feita por falta de leito e de material”

2) “É rivalidade da braba: Vitória bota garotos do juvenil em campo contra Treze pelo Nordestão. Se o Leão empatar, elimina o Bahia”

3) “Gláucia Santos: Ela é do forró e do arrocha”

“Lerdeza no Roberto Santos”

Principal reportagem de capa do Massa!, publicada na página 3, ela narra sucintamente o longo drama de José Carlos Santos, um senhor de 74 anos, internado no Hospital Geral Roberto Santos à espera de uma cirurgia na coluna vertebral. Segundo o texto, de autoria do repórter Rodrigo Meneses, “José conseguiu uma vaga no hospital para fazer a cirurgia de alta complexidade, mas depois de internado já entrou duas vezes no pré-operatório e teve a cirurgia desmarcada.” O processo de internação do senhor foi testemunhado por sua sobrinha Jandira Maria dos Santos, 57 anos. Para isso, ela teve que largar o emprego.

Há, à direita da matéria, uma coluna com depoimentos de algumas pacientes vindos do interior do estado à procura de vagas no Hospital Roberto Santos. Matérias dramáticas como essa fazem parte da pauta do jornal Massa!, por ser justamente direcionada para as comunidades inseridas nas classes C e D de acordo com os pensamentos exprimidos na teoria do agendamento.

“Leão resolve botar molecada em campo”

Assinada pelo repórter Rafael Tiago Nunes e publicada nas páginas 12 e 13, a reportagem conta os preparativos do jogo do Vitória contra o Treze, da Paraíba, pelo Campeonato do Nordeste, realizado no dia 17 de novembro. O time titular rubro-negro para essa partida é um misto entre as categorias de base (juvenil e júnior), sendo comandado “à beira de campo”, conforme Nunes, pelo assistente técnico Flávio Tanajura.

A divulgação esportiva na pauta de um periódico popular do calibre de Massa!, dando imensa importância ao futebol, não deve faltar em suas páginas, ocupando um máximo de 6 na edição do corrente dia. Por se tratar de uma matéria de grande significância entre o público-alvo ao se tratar de futebol, uma modalidade esportiva que se aproxima do povo, ela foi posta em evidência nas duas primeiras páginas do Massa! dedicadas ao assunto, valorizando outras categorias, indo além do profissional.

“Forró na veia – Dança muito”

Uma nota curta sem assinatura, no entanto creditada apenas à redação e publicada na página 22, com notícias sobre o mundo dos famosos, refere-se à dançarina do grupo de arrocha Brasilian Boys, Gláucia Santos, 25 anos, residente na Boca do Rio, mostrando, em poucas linhas, sua biografia.

Segundo a nota, Gláucia “avisa que está disponível para trabalhar como modelo” (MASSA!, 2010, p. 22), e há quatro anos tem um relacionamento com o tecladista da banda. A nota, embora seja pequena, constituída somente por dois parágrafos e ilustrada com uma fotografia da dançarina, está vinculada a um elemento da cena cultural das comunidades a que o Massa! está destinado: o arrocha, gênero musical nelas penetrado.

3. Considerações finais

Após as três matérias diferentes de cada jornal – A Tarde e Massa! – serem analisadas, podemos identificar as diferentes formas de agendamento em dois veículos distintos, embora editados pela mesma empresa. O A Tarde, jornal típico dedicado as classes AB, possui características gerais que interessam ao público que é destinado. Em suas matérias, reportagens e editoriais, é utilizada linguagem formal, e os assuntos que estampam suas páginas são abordados de forma séria, comum no jornalismo tradicional.

O jornal Massa!, com um perfil totalmente diferente, e destinado as classes CD, apresenta matérias inusitadas, escritas informalmente. Concebido para alcançar as classes média baixa e baixa, em suas páginas são estampadas notícias informais, escritas casualmente e providas de gírias e jargões.

Referências

A TARDE, ano 99, nº 33.460. Salvador, 17 nov. 2010.

AGENDAMENTO (Verbete). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Agendamento. Acesso em: 28 out. 2010.

AGENDAMENTO e jornalismo: a questão do agenda-setting. In: AS TEORIAS do jornalismo: teorias da notícia. São Paulo: Centro Universitário Nove de Julho, s/d. Disponível em: http://www.latinoamericano.jor.br/aulas/teoria_jornalismo/Resumo_REVISAO.pdf. Acesso em: 28 out. 2010.

BERNARD Cohen (Verbete). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bernard_Cohen. Acesso em: 16 nov. 2010.

MASSA!, ano 1, nº 27. Salvador: Empresa Editora A Tarde, 17 nov. 2010.

VIZEU, Alfredo. O Jornalismo e as teorias intermediárias: cultura profissional, rotinas de trabalho, constrangimentos organizacionais e as perspectivas da Análise do Discurso (AD). Covilhã (Portugal): Universidade da Beira Interior, s/d.

WALTER Lippmann (Verbete). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Walter_Lippmann. Acesso em: 16 nov. 2010.

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