Dilma é eleita a primeira mulher presidente do Brasil

Postulante do PT foi escolhida por 56% do eleitorado brasileiro, vencendo José Serra, e terá a tarefa de administrá-lo nos próximos quatro anos

Amparada pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministra por duas vezes, Dilma Rousseff, de 62 anos, candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleita neste domingo, 31 de outubro, no segundo turno, a primeira mulher a governar o Brasil no quadriênio 2011-2014. Seu vice é o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP). O ineditismo de escolher uma postulante feminina para o cargo máximo do país resulta do esforço recebido dos 55.725.529 dos 135.804.433 eleitores fincados nos quatro cantos da primeira maior nação da América Latina e do Sul, da terceira maior do continente americano e da quinta maior em extensão territorial.

Com 100% das urnas apuradas desde a noite de ontem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a petista teve 56% dos votos válidos contra 44% do seu oponente José Serra (PSDB), de 68 anos, sem levar em consideração as abstenções – uma diferença de 12 pontos percentuais. A ex-ministra de Minas e Energia e da Casa Civil foi declarada presidente eleita matematicamente pelo presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, às 20:04 de ontem, com as urnas apuradas progressivamente em 92,23%. O economista, professor, ex-deputado federal, ex-senador, ex-ministro do Planejamento e da Saúde, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo foi derrotado, obtendo 43.711.388 sufrágios totalizados.

Dilma venceu em todas as unidades das regiões Nordeste, onde o seu favoritismo é absoluto em decorrência da exorbitante popularidade de Lula através da massiva penetração dos programas de distribuição de renda, e Norte, com exceção do Acre, de Rondônia e de Roraima, além de Minas Gerais, Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Os estados do Acre, Rondônia, Roraima, São Paulo, Espírito Santo e todas as unidades das regiões Centro-Oeste e Sul sufragaram Serra majoritariamente. Já na Bahia, quarto maior colégio eleitoral da Federação, Dilma ganhou com 70,85% dos votos válidos, 41,70 pontos à frente de Serra, que pontuou 20,15%.

Filha mais velha

Mineira de Belo Horizonte, onde nasceu em 14 de dezembro de 1947, a economista Dilma Vana Rousseff é a primogênita dos três filhos da professora Dilma Jane Silva e do imigrante búlgaro Pedro Rousseff. Sua carreira política iniciou-se no movimento estudantil em 1964, no alvorecer da ditadura militar, enquanto estudante do Colégio Estadual Central de Minas Gerais, reduto da efervescência ativista contra as arbitrariedades recém-instauradas. Ingressou, em 1967, no curso de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e na organização clandestina Política Operária (Polop), logo rebatizada Comando de Libertação Nacional (Colina) e Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).

Teve dois casamentos – o primeiro e breve, com Cláudio Galeno Linhares, e o segundo, com Carlos Franklin de Araújo, com quem a primeira presidente eleita se divorciaria mais tarde. Em São Paulo, ela foi presa e torturada barbaramente em 1970, no Presídio Tiradentes, sendo condenada a três anos de reclusão. Carlos Araújo encontrava-se preso em outra ala da penitenciária. Dilma transferiu-se para Porto Alegre em 1973, já em liberdade, onde ela e o então marido reconstruíram suas vidas, dando à luz sua única filha, Paula, hoje mãe de Gabriel, nascido em 9 de setembro, um mês antes das eleições.

Atuante na luta pela redemocratização

Formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e colaborou, ao lado de Carlos Araújo, na fundação do PDT no estado. Lutou bravamente pela restituição da democracia no Brasil, participando do movimento Diretas Já entre 1983 e 1984. A convite do pedetista Alceu Collares, primeiro prefeito de Porto Alegre eleito pelo povo após o regime discricionário, assumiu, em 1986, seu primeiro cargo público: a Secretaria Municipal da Fazenda, abandonando a pasta em 1988. Também por indicação de Collares, agora como governador gaúcho, tornou-se presidente da Fundação de Economia e Estatística (1991-1993) e secretária de Minas, Energia e Comunicações (1993-1994).

Em fevereiro de 1995, logo após abandonar provisoriamente seu currículo político, Dilma aventurou-se no setor empresarial, o que é omitido em sua biografia oficial. Criou, em sociedade com Carlos Araújo, separado dela no ano anterior, sua ex-cunhada Sirlei Araújo e seu sobrinho João Vicente, uma loja de departamentos sugestivamente batizada com o nome fantasia Pão & Circo, que vendia mercadorias importadas da Zona Livre de Colón, no Panamá. O negócio fechou as portas em 1996, quando Dilma e Carlos reconciliaram-se. A efeméride tinha como carro-chefe brinquedos, principalmente os dos Cavaleiros do Zodíaco, desenho animado japonês que foi a febre infantojuvenil da época.

Regressou à vida pública em 1999, voltando a ocupar a Secretaria de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul, no governo de Olívio Dutra (PT). Divorciou-se efetivamente de Carlos Araújo em 2000, e filiou-se ao PT em março de 2001. Durante sua segunda atuação na secretaria, o estado gaúcho foi um dos poucos a livrar-se do racionamento de energia elétrica ocasionado em 2001, popularmente alcunhado de "apagão". O convite do presidente Lula para assumir o Ministério de Minas e Energia surgiu em dezembro de 2002, quando deixou a secretaria pelas bem-sucedidas realizações à frente do órgão.

Celebridade nacional

Durante sua passagem no Ministério de Minas e Energia, entre 2003 e 2005, acumulou a presidência do Conselho de Administração da Petrobrás. Dilma, até então uma desconhecida para grande parcela do povo brasileiro, se celebrizou nacionalmente graças à sua associação com Lula. Substituindo José Dirceu na chefia da Casa Civil, em junho de 2005, no auge da crise que abalou a imagem do governo federal, assumiu a pasta, implementando e coordenando diversos programas socioeconômicos da atual administração, como o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (Pac), do qual era considerada "mãe"

Um ano antes de Dilma sacramentar a candidatura à Presidência da República, sua aparência foi rejuvenescida por uma cirurgia plástica, e sua saúde sofreu um revés que quase a inviabilizaria na disputa. Padeceu de um câncer no sistema linfático, descoberto no início de 2009. O tumor foi diagnosticado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e a então pré-candidata conciliou a cura, que incluía a perda capilar, o uso da peruca e as sessões de quimioterapia, com os trabalhos na Casa Civil. No final do mesmo ano, Dilma foi declarada curada pelos médicos.

Após câncer, mais chances

Suas probabilidades de concorrer ao topo do Poder Executivo brasileiro aumentaram em níveis satisfatórios, abdicando do comando da Casa Civil em 31 de março. Foi ratificada candidata pela Coligação Para o Brasil Seguir Mudando, integrada por um arco de dez legendas – PT, PMDB, PC do B, PDT, PRB, PR, PSB, PTC, PSC e PTN – em convenção realizada em 13 de junho, em Brasília, com a participação de governadores, parlamentares e presidentes de partidos aliados.

A missão de Dilma, como presidente já eleita, é efetuar o prosseguimento das conquistas econômicas e sociais iniciadas e consagradas pelo presidente Lula, ampliando-as de Norte a Sul do país. Para dar continuidade, aprimoramento e fortalecimento aos programas do governo em curso, ela terá o apoio dos 16 dos 27 governadores eleitos e de uma base consistente no Congresso, constituída por 352 dos 513 deputados federais e 48 dos 81 senadores. A primeira mulher a conduzir as nossas deliberações terá em torno de si uma maioria na Câmara e no Senado tão suportável quanto na atual legislatura a encerrar-se em 31 de janeiro.

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