Martírio no terminal marítimo

Filas de gente e de automóveis são a tônica de quem vai embarcar num dos recintos paradisíacos baianos – a Ilha de Itaparica – pelas travessias entre os terminais marítimos de São Joaquim e Bom Despacho, feitas por sete embarcações do sistema ferry-boat, e entre o Centro Náutico da Bahia e Mar Grande, forjadas pelas dezenas de velozes lanchas de madeira. O que tardam não são os barcos a serem atracados, e sim as ditas filas, que não andam ou andam bem devagar. Este é o cúmulo da demanda de pessoas que vão viajar do continente para a ilha, comumente em feriados e nas férias, caracterizando a sazonalidade, passível de tormentos.

Momentos de tensão e pânico nos dois lados da travessia são insuficientes para suprir a quantidade monumental de passageiros com destino, além da tão cobiçada Itaparica, a Valença, a Morro de São Paulo e a outras maravilhas do Recôncavo, principalmente Nazaré das Farinhas, reduto do artesanato à base de cerâmica. A cada acréscimo dos veículos na fila, mais tempo pode atrasar e retardar o plácido, tranquilo e venturoso itinerário – um dos mais transtornados em situações estratégicas. Nos seus carros, encontram-se indivíduos comuns, anônimos, repousando ao aguardar, com paciência e certa inocência, a próxima embarcação. Preocupante, para eles, é o movimento.

Para tentar driblar o caos no sistema de transporte aquaviário da Baía de Todos-os-Santos, é preferível, eventualmente, estar acomodado em condução em frente à Feira de São Joaquim em direção ao terminal homônimo. O mesmo transtorno caótico é verificado no Centro Náutico, no Comércio, em frente ao Mercado Modelo, onde as lanchas, mais ágeis do que os ferries, privilegiam uma estonteante refrescância natural ao transitarem nas águas límpidas da maior baía brasileira. Infindável como um manancial, o seu potencial hídrico perpassa por atividades econômicas viáveis para as comunidades locais, bem como para toda a Bahia. Mar Grande, no centro de Vera Cruz, município que compreende majoritariamente a ilha de Itaparica, é onde as lanchas são ancoradas no desembarque.

O sistema ferry-boat congrega atualmente sete embarcações de grande porte, mas sua comodidade, de praxe, não se assemelha à de um receptivo transatlântico. A embarcação mais moderna e confortável lembrando um transatlântico por seu conforto e seu design é aquela cujo nome foi posto em gratificação a uma das mais chiques cantoras e compositoras de nossa terra – Ivete Sangalo. As demais, obviamente, são anacrônicas e, por sinal, desconfortáveis, sem nenhumas prerrogativas supérfluas ofertadas pelo Ivete, tais como o ar-condicionado de ambientação e os assentos acolchoados transparecendo sobre os conveses.

Somados ao eficaz Ivete Sangalo, abastecido a gás natural, mais seis antigos ferries navegam, cirandando, sobre a bonança aquática que banha a Cidade Baixa e a zona portuária de Salvador. Temos o Agenor Gordilho, o Ipuaçu, o Juracy Magalhães Jr., o Maria Bethânia, o Pinheiro (ex-Vera Cruz) e o Rio Paraguaçu, alimentados, em sua plenitude, a óleo diesel, tradicional combustível petrolífero largamente empregado em motores náuticos. Dois dos navios permanecem encalhados na Marina de Aratu, o Gal Costa e o Mont Serrat, sem nenhuma perspectiva de reparos e de retorno à navegação. Provavelmente, só as circunstâncias dirão acerca dos ferros-velhos ancorados.

Outrora sob a custódia estatal, o sistema ferry-boat é administrado por uma concessionária proveniente do Centro-Sul do país, mais especificamente do litoral de São Paulo, a TWB. Foi essa empresa a encarregada de modernizar gradualmente o sistema, notabilizando na aquisição do Ivete Sangalo, previamente montado no seu estaleiro, em Santa Catarina. Apesar da parcial agilização do ferry-boat, sequências verticais de homens, mulheres, automóveis de passeio e utilitários, aliados à pífia concentração das embarcações, ameaçam estadias e passeios turísticos. Vamos ver se a ponte Salvador-Itaparica nos trará progresso, enterrando o círculo vicioso do martírio e do suplício nos terminais marítimos.

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