Combatentes guerreiros

Uma fundamental data heroica para a nossa história. Dez meses após o Brasil conquistar parcialmente a sua autonomia, tornando-se uma nação, um Estado, politicamente independente de Portugal, sua metrópole por 322 anos, milhares de baianos conscientes, guerreiros e audazes comemoraram a sua vitória sobre o despotismo das tropas dominadoras. O processo de Independência do Brasil na Bahia só foi possível graças a mais de um ano de longos percursos pelo interior e pela capital, consumido vitoriosamente pelo próprio povo. Probabilidade que foi conquistada com valentia e com ânimo, driblando nossos ex-colonizadores. Mais intenso que o Sete de Setembro, o Dois de Julho selou um horizonte para que os brasileiros se consolidassem o combate à dominação lusitana.

Toda essa árdua luta pela liberdade e pela igualdade foi introduzida logo no início de 1822, quando duas figuras femininas gloriosas se emergiram fulminantemente para enfrentar as hostilidades que ainda eram praticadas pelos portugueses em nosso detrimento. Joana Angélica de Jesus, sóror ou abadessa do Convento da Lapa, foi martirizada por digladiar o Exército português presente no local, em 19 de fevereiro de 1822. O martírio de Joana Angélica, morta pelas baionetas na porta do claustro, homenageou a principal avenida do bairro de Nazaré, em Salvador. Maria Quitéria de Jesus Medeiros (1792-1853), heroína onipresente nas batalhas, virilizou-se disfarçadamente para alistar-se no Exército, identificando-se como soldado José Cordeiro de Medeiros, nome emprestado do seu cunhado.

Caminhando em direção ao Recôncavo, mais precisamente nas vilas de São Francisco do Conde e de Cachoeira, os sediciosos defensores da independência já demonstraram desde cedo seus valores, em junho de 1822. Em reação a nossos interesses e nossas ambições, estava instalada a gigantesca legião lusa, sob o comando do brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo. De Cachoeira, os revoltosos, em companhia da caravana capitaneada por Lorde Thomas Cochrane, almirante inglês e fiel escudeiro de D. Pedro I, e auxiliados pelo general francês Pierre Labatut, também protegido do imperador, marcharam rumo a Pirajá, em Salvador, em 8 de novembro do mesmo ano. Foi nesse bairro onde foi edificado o célebre Panteão, imponente monumento exaltando os feitos formosos de uma brava multidão de vitoriosos.

Assim chegou o dia decisivo, o momento definitivo. 2 de julho de 1823, o dia do confronto final que determinou a nossa vitória popular, a hegemonia do povo da Bahia sobre as tropas de Portugal que pretendiam recolonizar sua ex-colônia recém-emancipada. Nessas circunstâncias, o clamor cívico baiano em defesa do coroamento da autonomia brasileira era cada vez mais magnânimo e longânime. Possuindo seu encorajamento e seu vigor corpóreo e emocional, rebeldes nativos conseguiram derrotar, com um só golpe de misericórdia, os pérfidos reacionários lusos, tendo Madeira de Melo à frente. Convém salientar que os baianos não são esquálidos, nem debilitados e nem covardes; simbolizam o gosto e a simpatia pela aventura guerreira, favorável à autêntica e íntegra liberdade nacional.

De fato, o caloroso combate organizado pelos patrícios frente à esquadra portuguesa de Madeira de Melo não a massacrou fisicamente. Por sua esbravejante diplomacia, a legião genuinamente nacional, autointitulando-se Exército Pacificador, baluarte auxiliado por Cochrane e pelos senhores de engenhos do Recôncavo, sempre convincente e esperançosa, expulsou pacificamente as tropas adversárias, que pareciam invencíveis. Resistiu, ainda, à tirania, à hipocrisia e à ignomínia que os outrora colonizadores, embutidos na Legião Constitucional, cometeram contra nós durante mais de três séculos. Foi nessa emocionante conjuntura cívica que a então província da Bahia, embora subordinada ao Império centralizador, se escapou, definitivamente, de longos 323 anos do jugo e da subserviência de Lisboa.

Movimentos bélicos e marciais que abriram progressivamente os caminhos para a Independência da Bahia, culminando no festivo Dois de Julho, devem ser enaltecidos e rememorados em todos os estados do Brasil para que essa áurea data, além de confirmar a derrocada do Exército português em solo brasileiro, esteja incluída oficialmente no calendário dos feriados nacionais. Todavia, nossa historiografia oficial diz a respeito desse importantíssimo episódio heroico com parcimônia. É por meio da persistente timidez que as guerras pela nossa independência aqui na Bahia não são exaltadas em âmbito nacional. Vamos estimular, do Oiapoque ao Chuí, grandes heróis e heroínas, mártires, combatentes, valentes e batalhadores, que pagaram o preço pela garantia da liberdade, da justiça e da honra.

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